Vermelho escreve-me adensamente

Vermelho escreve-me adensamente no corpo criado pelo sorriso de uma flor

terça-feira, 21 de agosto de 2012

E então , não há mais nada
 apenas espero que a doce sombra de um cajueiro
pouse em mim e me sinta
assim como agora sinto tudo
e sou tanta
tanta fome que me cega
olhar de mais para o céu
Mas ah... sei que el esta lá
e como tudo
Me refaço também nessa parte
de ser algo

que sempre esteve
e que sempre foi
e no entanto, esconde-se na sombra dessa árvore
Por quanto tempo me desfaço
Me faço no ar como o lago que alcança a margem
sem esperar que a Lua o cubra na noite de breu
Pensar no que não está escrito e deixar-me ser apenas
Na Luz, contra-a-luz
Me desfaço no ar e minha pele
pêlo do meu sangue que ainda arde
Me refaz
De tudo que mais será
pousado na pele lâmina do vento

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Memórias

"com a magra mão translúcida estendida para o aro metálico dos óculos pousados sobre a capa de couro de um romance antigo, cheio de paixões impossíveis."

Com quantas vontade ardentes
me desenvolto em branco carmim
O mesmo branco carmim que se faz rosa
e se desnuda de pele ásprea
quando por um toque alcanço
o som dos lábios entrecostados aos meus

o toque que me desafia a ficar ou a ir
e por quanto tempo ainda seguirei
sem saber
o que era. o que devia
o que o nada separa -do que foi

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

AS NUVENS, COMO JÁ DIZIA BAUDELAIRE...

Tenho um presente para vocês, o melhor presente de Natal que posso dar: uma história bonita. E com agá mesmo, pois é real, embora pareça mais uma estória naquele sentido de Guimarães, o Rosa. Contei-a só a duas ou três pessoas — trata-se de história meio secreta, discreta, para poucos — e se a conto hoje a vocês é não apenas porque o dia é especial, mas vocês também o são para mim. Acreditem.
Foi um sábado de setembro último. Era um daqueles dias de ventania descabelada da primavera gaúcha, e Déa Martins me convidou para ver o pôr-do-sol na Ponta do Gasômetro, na beira do Guaíba, onde os Oxuns se encontram. Sentamos na grama, ficamos olhando o céu, o rio, o horizonte verde das ilhas. Provavelmente fumei um cigarro, Déa deve ter falado dos problemas de produção com os Paralamas do Sucesso, lembramos de nossa amiga Stella Miranda ou inventamos mais histórias sobre as irmãs Salete, Bebete e Janete. O que quero dizer é que não houve mesmo nada especialmente prévio. Nenhum aviso, nenhuma suspeita. “Aconteceu sem um sino pra tocar”, como no poema do príncipe Péricles Cavalcanti que Adriana Calcanhoto canta e outro dia me fez chorar de beleza. Ríamos muito, isso é sempre o melhor com Déa: ri-se sem parar.
O vento espalhava rapidamente as nuvens pelo céu. Dissolviam-se em fiapos primeiro brancos, depois rosa, depois vermelho cada vez mais púrpura, até o violeta, enquanto o Sol ia-se transformando aos poucos numa esfera rubra suspensa. De repente observei: certa nuvem não se mexia. Apenas uma. Parada, branca, enorme, eu olhei desconfiado. E tinha uma forma inconfundível, qualquer criança veria. Desviei os olhos, falei sem parar, as outras nuvens continuavam a esfiapar-se. Aquela, não. Então, com muito cuidado eu disse: “Déa olha lá aquela nuvem.” Ela olhou. E disse: “Meu Deus, é um anjo.”
Sem gritaria, ficamos olhando a nuvem-anjo. Ninguém mais olhava para ela embora, apesar de discreta, fosse um escândalo.
Quanto às outras nuvens, continuavam a se esgaçar, virando sem parar elefantes, camelos, colinas, nuas mulheres barrocas, como é próprio da natureza das nuvens. Mas aquela, aquela uma não se transformava em nada diferente dela mesma, apenas aperfeiçoava a própria forma. Quer dizer: ficava cadavez mais anjo. Mais tarde, ao chegar em casa,tentei desenhá-la. Olho o desenho agora: a perna direita levemente dobrada, como num plie de dança clássica, a esquerda alongada para trás, num per. feito relevé o corpo se curvando suave para a frente, com o braço esquerdo erguido para o alto e o direito estendido em direção ao Sol. A palma aberta da mão direita se voltava para baixo, como se abençoasse o Sol que partia para o Oriente. Além de anjo, bailarino. E tinha asas, imensas, duplas, quádruplas, múltiplas, espalhadas em várias cores atrás dos cabelos longos. Estava lá parada no céu, a nuvem-anjo, abençoando o sol, o rio, o céu sobre nossas cabeças, a cidade longe.
Quase não falamos. Ficamos até supernaturais, espiamos outras coisas, remexemos nas formigas, namoramos à toa em volta. Vezenquando um espichava o canto do olho para avisar ao outro: “Continua lá”. E assim foi, até que o Sol sumiu, o azul- marinho veio vindo das bandas dos Moinhos de Vento, apareceu a conjunção Vênus-Júpiter em Escorpião. A nuvem? Continuava lá, imóvel. E sozinha. O vento era tanto que todas as outras tinham desaparecido, sopradas para Tramandaí, Buenos Aires, Montevidéu. Só restava ela, a nuvem-anjo, abençoando os últimos raios dourados. Começou a esfiapar-se também apenas quando levantamos para ir embora. Ao chegarmos ao carro, não havia mais nada além de estrelas no céu imenso da Lua quase cheia em Aquário.
Pensei: “Glória a Deus sobre todas as coisas”. Foi o único pensamento que me veio. Nem era direito pensamento, parecia mais uma oração.

segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Desnuda de Sol.
Clareio minha pele
Sob a efeméride sensação
De gozar um sol forte
Que me rebate com unhas tais
Que desejo sugar-me ou sugar-lhe

Na vastidão do que não se vê
Embaixo desse sol
Penteia ele
Os pelos de minha pele

E me dissolve
Como a um, como a dois, como a três
E nunca sendo este
Me esquenta
Deixando -me ao sustento
Um só pelo
De vaga luz
Heliotrópia

domingo, 23 de janeiro de 2011

Lamento de uma rapariga

E os meus olhos deslizam
Sobre o corpo seco e desvanecido
Sem mais amar
Canto a triste canção de martírio e dor
que toda penetra em meus olhos
Sem o abrigo da luz
Que dilatava-me o sentidos
(Como posso?
Contenho, o sou)

Nada.
E ainda assim,
Sou um corpo moribundo
Desnudo de luz
E que aspira ancorado
Em outro seio

( que não o jamais)

Sem mais sonhos
Teço ilusões
Com meu canto sem alma
Tragado pelo próprio
Lamento do espírito

Desfaço-me do corpo
Que indesejado
Me possuiu
E me embanhou de suores febris
Extasiado pelo corpo que um dia foi meu
(Ao regalo de outros corpos
Me pariu a dor
E me embalsou em beijos)

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Gosto de revirar-me dentro de mim.
Como em dias mudos -
Me aconchego no peitoril da porta
E quietinha olho o vento no meu rosto

Olho o vento
E ele me rebuliça

Saio fora para ver.